Autor: Fiódor M. Dostoiévski
Data: 1866
Editora: Círculo do livro (Brasil)
Pgs.: 570
Gênero: ficção
Assunto: assassinato premeditado
Como descrever o que senti ao ler a ultima palavra, ‘aqui’, de ‘Crime e castigo’? Talvez, me senti alguém extremamente abençoado e privilegiado, pois o é todo aquele que tiver a honra de ler este livro, dotado de uma linguagem acessível não só ao ‘filosofo’, ‘intelectual’, habituado às obras com a linguagem dostoiévskiana, mas à pessoa ‘comum’ que tiver um mínimo de perspicácia para se por a pensar nas questões mais profundas da vida humana.
Faltam-me palavras para descrever este livro... ainda estou embriagada pela profundidade de sua história, e quanto ela me tocou e me provou que minhas convicções morais estão absolutamente corretas. O crime nunca compensa...
Às vezes eu também me sinto um piolho. Para Raskolhnikov, o protagonista do livro, a velha usuraria (agiota. No caso do livro, refere-se à mulher que trabalhava com penhores), a quem Raskolhnikov recorria às vezes, para penhorar algumas jóias de pouco valor, não passava disso, um piolho. Uma velha viúva, parasita, avarenta, que maltratava a irmã mais nova, que não fazia bem algum a ninguém. Raskolhnikov é um erudito, por mais pobre que seja, e desenvolve a sua teoria. Baseado nela, o rapaz chega à conclusão de que pode matar a usurária, e seu crime será compensado pelo que poderá fazer com o dinheiro da velha: ajudar a mãe e a irmã, iniciar sua carreira de advogado, ajudar outras pessoas, como o amigo Razumíkhin, ou a família do bêbado Marmieládov. Assim, Raskolhnikov consuma seu crime. Mas nem tudo sai como planejado. Ele não contava com as várias camadas que formam o ser humano. Uma delas, a camada da culpa, manifesta-se na alma de Raskolhnikov. Doente, foge da policia, ao mesmo tempo em que se consome de medo. Ele é inteligente, e, como tal, sua cabeça não para de pensar. Assim, divide-se entre a certeza de que sua idéia é certa, e, ao mesmo tempo, a angústia. Afinal, aquele piolho, por pior que fosse, era um ser humano.
Dostoiéviski descreve com maestria os pensamentos de Raskolhnikov. Um espelho não teria feito melhor: você se sente dentro da mente do garoto. O desenvolvimento das personagens secundárias também torna-se fabuloso. A maneira de Dostoiévski narrar, em terceira pessoa, conferem amplitude e profundidade à história, sem pecar nem por uma nem por outra. A ausência do romance romântico, tão comum e ultrapassado na literatura brasileira do século XIX, mesmo na escola que se dizia realista, é um diferencial único e inigualável, que não impede que o amor esteja presente na obra, mas dá maneira não só correta como mais profunda e autentica. É o amor sublime, sem fantasias, encarando a realidade da maneira como ela é. Sem centrar sua história no amor, um clichê tão comum, Dostoiéviski põe o amor no centro do drama de Raskolhnikov. A única chance para ele é se agarrar ao amor. O epilogo também me chamou a atenção, narrado de uma maneira pouco usual, e justamente por isso exposto com uma clareza digna de mestres como Dostoiéviski.
O livro é perfeito. Sem tirar nem por nada. Uma narrativa rica, extremamente bem escrita, que deve ser apresentada à pessoas habituadas à leitura. A linguagem levemente rebuscada, a extensão da obra, e os parágrafos, as vezes de duas paginas, podem assustar jovens ou inexperientes leitores. Nada disso, no entanto, é desculpa para deixar de ler. Numa época de crepúsculos, brunas surfistinhas e coisas do gênero, saber que obras como Crime e Castigo continuam vivas é ter a certeza de que ainda existe respeito e se honra esta arte tão nobre e profunda chamada literatura.